Descobrindo El Rahue

Para ir de Buenos Aires a Aluminé precisei pegar um ônibus até Zapala e de lá até Aluminé. Só sabia o essencial pra poder chegar até a cidade, porque como sempre, preferi não pesquisar muito sobre o lugar e assim poder tirar minhas próprias conclusões.

De Zapala, a única referência que eu tinha é minha amiga Agus, cantora de Blues, nascida e criada na cidade e uma das primeiras amigas que fiz em Buenos Aires. Vivíamos na mesma hospedagem e lembro-me bem dos seus exercícios vocais que quebravam o silêncio das minhas tardes de estudo durante o primeiro ano da faculdade. Também me lembro dela dizendo que queria provar todas as drogas que existem e que se imaginava morrendo aos 27 anos como Jimi Hendrix e Kurt Cobain.

Quando desci em Zapala me dei conta que estava em uma cidade realmente pequena. A rodoviária era minúscula, e além do meu ônibus só tinha um outro, parado bem ao lado. Desci, peguei minha mochila, e comentei com o motorista que precisava ir a Aluminé. Eram 13:25 e ele disse que o ônibus parado ao lado ia pra lá e saía às 13:30. Alegre coincidência!

Andei rápido até a entrada da rodoviária e a medida que eu caminhava em direção ao guichê sentia que todos ao redor estavam me olhando. Usando calça legging, bota dr. martens, meias com desenho divertido que sobrepassavam as botas e jaqueta jeans vintage, me sentia a própria porteña chegando no interior. Passei por um bêbado com traços indígenas que falava sozinho e estava acompanhado de um cachorro peludo. Pensei em pegar a câmera analógica pra tirar uma foto deles, mas tinha pouco tempo pra comprar a passagem e ir pro ônibus, então desisti. Como sempre, pedi a primeira poltrona, imaginando que o ônibus era como os de Buenos Aires - de 2 andares, e que te dão uma visão panorâmica com o vidro enorme da frente e a janela do lado.

Entrei no ônibus de um só andar e a sua parte frontal estava ocupada em mais da metade pelo motorista. Rodeado por uma meia-lua de máquinas, ele controlava tudo de forma magistral: o rádio, a máquina de dinheiro, a marcha e vários botões de função misteriosa (pelo menos pra mim). Sentei na poltrona do corredor e a senhora ao meu lado falou algo que não entendi. Que língua era aquela?

Foram entrando mais passageiros, que pagavam a passagem diretamente pro motorista e avisavam aonde iam descer. Deveria ter tirado a foto do bêbado e o cachorro.

Começamos a viagem e logo entramos numa estradinha de chão, deixando o asfalto e a cidade pra trás. A distância até Aluminé era de 139 km; calculei que demoraríamos pouco menos de 2 horas pra chegar. Mas a estrada se fazia cada vez mais estreita e sinuosa, com curvas fechadas e subidas pronunciadas. O ônibus levantava poeira por onde passava, mas não parecia avançar muito.

Alguns passageiros que moram em fazendas iam ficando pelo caminho, dentre eles minha parceira de poltrona. A janela lateral finalmente era minha e eu poderia grudar meu rosto nela e aproveitar melhor a paisagem. O motorista aproveitou a pausa pra pegar as coisas pra preparar mate: potinho com yerba, mate, bombilla, termo. Fazia uma curva e jogava a yerba. Fazia outra curva e acomodava a bombilla. Diminuía a velocidade e colocava a água quente. Segurava o volante só com uma mão pra poder beber. Só espero chegar viva em Aluminé, pensei.

- Acepta un mate, señorita?
- Como no?!

Apesar do frio, fazia um dia lindo de sol e a paisagem era espetacular. Montanhas de vários tamanhos e distância pareciam o desenho de um quadro pintado com diferentes profundidades. A medida que subíamos em altura podíamos ver a estrada que ficava pra trás bem embaixo de nós. Tudo isso serviu de plano de fundo de uma ótima conversa com o motorista. Quando ele descobriu que eu vivia em Buenos Aires foi logo me contando sobre a experiência da única vez em que deixou o Sul da Argentina e foi visitar a capital do país, por questões de saúde. Achou tudo uma loucura, não sabia como pegar o metrô e disse que nunca moraria num lugar como aquele, ''cheio de gente assustada'' - Falava e ria.

El Rahue é uma estrada famosa entre os viajantes pela sua paisagem alucinante e por sua proximidade com o Chile. Obviamente, eu não sabia disso e me senti extremamente sortuda por ter sido apresentada a um caminho tão incrível pelo meu amigo motorista, que a conhecia como a palma da sua mão e era um verdadeiro personagem.

- Todo lo que ves allá en frente es la Cordillena de Los Andes. Más adelante vamos a pasar por la parte más alta del Rahue donde se puede ver el volcán Lanin, del lado argentino y el volcán Villarica, del lado chileno, al mismo tiempo.
- No lo puedo creer!

Continuamos subindo e a paisagem era cada vez mais inacreditável: à nossa frente, a Cordilheira dos Andes que parecia estar cada vez mais perto. Embaixo, iam se formando verdadeiros ''degraus'' de estrada sinuosa. De ambos lados, começaram a aparecer montanhas cobertas de neve. O fato de não ter planejado estar ali, deixava tudo mais interessante. O sol, as curvas, o mate quente, as montanhas e, finalmente, os vulcões! Quando tinha os dois ali, bem na frente dos meus olhos ao mesmo tempo, senti que estava vivendo uma das experiências mais incríveis da minha vida. Estava presente, estava plenamente consciente disso, e inundada por um sentimento de gratidão pela vida. A vontade era de colocar a cabeça pra fora e gritar UHUL! QUE FODA! - mas acho que pegaria meio mal.

- No vá a sacar foto? acá es el mejor lugar, vió?!
- No, no tengo bateria en el celular, pero no pasa nada.

Internamente, fiquei feliz por isso.
Alguns lugares são tão incríveis que parece que só está permitido vivê-los, e o único registro que fica é mesmo a lembrança, ''vió''?.

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